corto viaggio sentimentale, capriccio italiano (6ª estrofe) António Franco Alexandre, Quatro Caprichos, Assírio & Alvim.
quero dizer-te: não morras. Nem me digas quem és, quem foste, como sabes a língua que se fala sobre a terra. Ao lume lanço toda a vontade de viver, ser vivo, a cautela do ar, ardendo em torno. Passarei, terás passado em mim, só quero dizer-te: não morras nunca, agora, nunca mais.
Demasiado visto. A visão percorreu todos os ares. Por demais sofrido. Rumor das cidades, à noite, ao sol, e sempre. Por demais sabido. As estocadas da vida. - Ó Rumores e Visões! Partida no afecto e no ruído novos!
Podíamos saber um pouco mais da morte. Mas não seria isso que nos faria ter vontade de morrer mais depressa.
Podíamos saber um pouco mais da vida. Talvez não precisássemos de viver tanto, quando só o que é preciso é saber que temos de viver.
Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor.
Este poema é absolutamente desnecessário pela simples razão de que poderia nunca ser escrito e ninguém sentiria a sua falta Esta é a sua liberdade negativa a sua vacuidade dinâmica e o movimento da sua abolição a partir do seu vazio inicial Mas qual é a sua matéria qual o seu horizonte? Traçará ele uma linha em torno da sua nulidade e fechar-se-á como uma concha de cabelos ou como um útero do nada? Ou será a possibilidade extrema de uma presença inesperada que surgiria quando chegasse a essa fronteira branca que já não separaria o ser do nada e no seu esplendor absoluto revelaria a integridade do ser antes de todas as imagens a sua violência inaugural a sua volúvel gestação?
SEGREDO
Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...
Miguel Torga, in "Diário VIII"
Vergílio Ferreira, Em nome da terra, Bertrand Editora
«Porque a grandeza, querida Mónica, não tem bem que ver com o que fazemos mas com o que não faz em nós o animal, que tem muita força e precisa de uma força maior para a não ter.»
Em dias como o de hoje (frios?), gosto de ler autores estrangeiros sobre Portugal e os seus. Ainda que no e pelo passado.
Jorge Luís Borges, em tradução de Miguel Tamen.
A L U Í S D E C A M Õ E S
Jorge Luís Borges, O Fazedor, DIFEL
Sem lástima e sem ira o tempo arromba As heróicas espadas. Pobre e triste À tua pátria nostálgica voltaste, Ó capitão, para nela morrer E com ela. No mágico deserto Tinha-se a flor de Portugal perdido e o áspero espanhol, antes vencido, Ameaçava o seu costado aberto. Quero saber se áquem da ribeira Última compreendeste humildemente Que tudo o perdido, o Ocidente E o Oriente, o aço e a bandeira, Perduraria (alheio a toda a humana Mutação) na tua Eneida Lusitana.
Enquanto o mundo dorme Eu permaneço acordada. Num glorioso palácio de prazer Sento-me vigilante E vejo uma rapariga abandonada Com uma grinalda de lágrimas Que passa a noite a contar As estrelas a contar as horas Que a separam da felicidade.
Se eu soubesse que O amor e o desespero Andam sempre de mãos dadas Teria pegado num tambor E iria proclamar pela cidade Que o amor foi banido para sempre.
* "Qual é a minha ou a tua língua - Cem poemas de amor de outras línguas", Assírio & Alvim.
Acabei hoje de ler os Anjos Caídos que me tinham aconselhado. Não me arrependi, mas não estou feliz.
Nada de novo (em mim, não nos Anjos). Para quem ainda não leu, um cheirinho.
S O L I D Ã O José Agostinho Baptista, Anjos Caídos, Assírio & Alvim
Estou só. Levo à boca as minhas mãos, as mesmas que levaram à boca o pão antigo, o trigo das mães. Tenho os lábios secos, sem beijos, sem frutos, sem nada. E os nossos corpos já não se unem como outrora, junto às estações, quando chegavam os comboios tristes.