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Meu amor,
estou sentado no topo de uma duna. Daqui de cima, mesmo sentado, consigo observar toda a lentidão das areias.
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Meu amor,
estou sentado no topo de uma duna. Daqui de cima, mesmo sentado, consigo observar toda a lentidão das areias.
Querida,
cá estou novamente. Escrevo-te na sombra da minha imobilidade. Faço-o, como se o infinito fosse a única ferida no meu corpo. Mas não é. Também a lentidão das dunas feriu o meu peito. Demasiado tempo a pensar nas areias, demasiado tempo na penumbra de ser.
Querida amiga,
chegou a hora de te livrares desses sapatos velhos e de caminhares descalça na floresta do seu coração. Despe-te e diz-lhe o quanto o amas. Enquanto podes fá-lo. Eu já não posso. Acabámos tudo antes de eu vir. Foi maravilhoso saber-te. Vou já enviar-te isto e depois continuo.
Carlos
Meu amor,
as paredes que me cercam enquanto te escrevo são sombras verdes sobre a imobilidade das serpentes de cobre. O fumo explode intenso no ar e eu limito-me a tentar compreender porque voam as libélulas. Ter asas não chega, ou as galinhas também o fariam. Não era? Mas, como diz a outra, isso agora não interessa nada.
Meu amor,
estou a breves momentos de rebentar mais um peixe azul. Instantes, apenas, separam o meu corpo e o gatilho de fogo que divide o mar e a morte. Ignoro tudo que me deste e tudo que aprendi contigo, sempre que preciso de disparar esta arma de suor. Quando entrei na cidade, lembrei-me de ti, toda aquela destruição me fez lembrar o que me fizeste quando disseste que já não me amavas como outrora. Sabes o que mais custa? Saber que nunca lerás as minhas cartas. Não porque não queiras, mas porque nunca as enviarei.
Princesa,
o silêncio cruza o audível dentro do manto enfeitado pelas dez mil estrelas e eu permaneço imóvel dentro deste cesto de teias. diz-me, outra vez, que o infinito é mais pequeno que eu.
Meu amor,
sabes porque te escrevo tantas vezes? porque sempre que o faço, ambos somos obrigados a tocar no papel e eu gosto de imaginar que nesses momentos cruzamos as mãos e passeamos juntos. sempre que te escrevo passeio contigo e é por isso que o faço muitas vezes.
Amor,
bem sei que vim para salvar vidas, mas já não acredito que matar possa servir para salvar alguém. É o que mais faço. Ainda hoje o fiz. Entrei numa cidade e as minhas balas fizeram o resto. Tantas pessoas mortas. Tanto sangue. Que posso eu ter salvo?
Meu amor,
lembras-te de me teres prometido que não me deixarias esquecer porque vim? Pois bem, estou aqui para cobrar essa promessa. Toda esta morte obrigou-me a esquecer o que estou aqui a fazer.
Meu amor,
aqui, onde estou, não chove há muito. Toda esta seca me lembra da humidade nos teus lábios quando me beijas. Quando a tua ternura me afoga. Ainda há pouco te vi, mas já sinto a tua falta. Pouco, é só uma forma de dizer. Cada segundo sem ti, sem os teus braços na minha cintura, é muito tempo. Vou dormir para chegares depressa.
Para sempre teu,
Carlos