do sangue
há momentos em que me odeio. por não conseguir evitar odiar-te, odeio-me. eu sei, não foste tu que te perdeste, foi a tua consciência de ti, mas há momentos em que é como trazer flanelas vestidas no verão e teres sido tu a vestir-mas. é como ser a única folha dourada na primavera por não te poder beber. odeio-te por saber que te amo sem te saber. por vezes odeio a inevitabilidade do amor. sabes, dói muito não te saber, mas dói ainda mais não saber se me sabes, dói ainda mais não saber se alguma vez me encontras na tua busca de ti próprio.
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um dia saberás que te procuro todas as noites. o labirinto é enorme e muito escuro, é feito de escadas em caracol e rampas de memórias. percorro-o quase como fazias para te encontrares. lembro-me, costumavas procurar-te nas serras, que subias e descias infinitamente, e no pêlo de animais abandonados. juro-te, procuro-te muito todas as noites. há muitas portas, todas fechadas. uma noite arrisquei uma delas, era de água e pareceu-me fácil. consegui atravessar o medo e mergulhar na água gelada, mas, do outro lado, apenas um pássaro a voar muito alto e a espiral descendente dos teus olhos. por vezes a tua cara. procuro-te como te procuravas na alucinação das imagens e nas florestas de tempo. já te perdi há muito tempo. não sei se ainda procuras as tuas mãos no abandono das sombras. não sei se chegaste a descobrir-te, eu ainda não te encontrei, mas, um dia saberás, procuro-te muito todas as noites. no teu fantasma. nas tuas mãos de árvore antiga.