Eu queria fugir a isto, mas é inevitável. Cheguei a Paços durante a tarde e, de imediato, fui dormir porque “já era tarde” e num instante, ainda antes de me deitar, se fez noite. Devo ter sonhado, claro.
No dia seguinte jantei com toda a família e anunciei que precisava de estar no Porto na segunda-feira por volta das onze. De imediato, um primo disponibilizou-se para me levar e disse que me vinha buscar cerca das 8 h 30 min.
Sou escritor e cientista. Vejo as duas actividades, a escrita e a ciência, como sendo vizinhas e complementares. A ciência vive da inquietação, do desejo de conhecer para além dos limites. A escrita é uma falsa quietude, a capacidade de sentir sem limites. Ambas resultam da recusa das fronteiras, ambas são um passo sonhado para lá do horizonte. A Biologia para mim não é apenas uma disciplina científica mas uma história de encantar, a história da mais antiga epopeia que é a Vida. É isso que eu peço à ciência: que me faça apaixonar. É o mesmo que eu peço à literatura.
Vou voltar um pouco atrás. Contar o que tem sido a minha vida sem a Margarida. É possível resumi-la em uma só palavra: complicada. Para além dos, óbvios, tormentos sentimentais que foram provocados pela sua morte, também o lado prático da minha vida foi tremendamente afetado – e isto não é ser egoísta: é simples constatação. Por exemplo: era ela que tratava de agendar e coordenar as minhas terapias. A maioria das pessoas não se lembra de coisas que para elas são muito simples, mas que para mim são muito complicadas. Comer, por exemplo. Imaginem que só mexem uma mão – e mal – como fariam para comer? Claro que nisto posso sempre contar com a minha mãe, mas é só um exemplo.