- Olha, é uma flor do deserto. Pode sobreviver durante meses sem uma gota de água e sem perder nunca aquelas cores. - É muito bonita. - É uma lutadora. Pode sobreviver durante... - Sim. Já disseste. - Toma. - Obrigada. Sorrio-te. - É do deserto. - Sim. - Beijas-me? - Beijo.
- Escrevi-te hoje uma carta. Uma carta de amor. - E quando vou recebê-la? - Mais logo. - Fico feliz por saber que ainda me escreves cartas de amor. - E eu fico feliz por saber da tua alegria.
- Espera. - Que foi? - A tua mão... - Desculpa, magoei-te? - Não. Não tem mal. Continua.
- Será que mais alguém se ama desta forma? - Como assim? - Como nós... - Como agora? - Sim. - Talvez... não sei. - Mas é bom podermos conversar enquanto nos amamos, não é? - É sim.
- Estava com saudades do teu corpo. - E eu do teu. E do calor. - Sim. Este calor, sabe bem, não sabe? - Sim, sabe muito bem.
- Desligamos a televisão? - Sim, desliga. - Calamo-nos um pouco agora? - Sim, mas beija-me novamente. - Beijo.
- Olha, é uma flor do deserto. Pode sobreviver durante meses sem uma gota de água e sem perder nunca aquelas cores. - É muito bonita. - É uma lutadora. Pode sobreviver durante... - Sim. Já disseste. - Toma. - Obrigada. Sorrio-te. - É do deserto. - Sim. - Beijas-me? - Beijo.
- Escrevi-te hoje uma carta. Uma carta de amor. - E quando vou recebê-la? - Mais logo. - Fico feliz por saber que ainda me escreves cartas de amor. - E eu fico feliz por saber da tua alegria.
- Espera. - Que foi? - A tua mão... - Desculpa, magoei-te? - Não. Não tem mal. Continua.
- Será que mais alguém se ama desta forma? - Como assim? - Como nós... - Como agora? - Sim. - Talvez... não sei. - Mas é bom podermos conversar enquanto nos amamos, não é? - É sim.
- Estava com saudades do teu corpo. - E eu do teu. E do calor. - Sim. Este calor, sabe bem, não sabe? - Sim, sabe muito bem.
- Desligamos a televisão? - Sim, desliga. - Calamo-nos um pouco agora? - Sim, mas beija-me novamente. - Beijo.
na descendência das flores nascem dias já terminados e a poesia não é senão falsa modéstia
aqui escreve-se sem qualquer inteligência
as palavras não são para ser estudadas são para ser amadas como se amam as cores
e não me falem em pontuação pontos e vírgulas uso-os quando e se eu quiser, quem me impede?
2-1
hoje este é o meu desafio amanhã deixará de o ser se não o cumprir
e depois? quem se importa se nem a mim me preocupam os sucessivos fracassos.
7-1
uma carta para ti, minha amiga
quase com o despertar das pérolas do desejo, no tempo das primeiras serenatas de álcool e tabaco, descobri também a pureza impetuosa da inocência: um corpo não era um corpo mas o sol que o aquecia.
hoje sou um monstro já sem amor minha amiga, o que hoje faço, com o corpo que sobrou depois de ti e de todas as outras, não é amar.
tenho este poema como segredo e não precisava de o escrever, precisava de sussurrar-to lentamente, como costumávamos fazer na idade da matemática. lembras-te do poema que te escrevi?
precisava que os teus braços me ensinassem novamente a escrever apenas para duas pessoas, sem pensar no que pensará quem lê, escrever apenas para sentir o calor que sentia quando te lia ao ouvido.
precisava apenas de amar alguém com a inocência com que te amei. talvez nem precisasse de o escrever. lembras-te como era?
11-1
posso passar aqui toda a noite a fingir a poesia nas palavras que escrevo,
mas o mais importante é que talvez não o faça.
12-1
um dia o mundo saberá que sou eu que escrevo os meus segredos. pergunto-me, será finalmente esse dia a morte do meu?
12-1
como facas que se espantam ao penetrar carne macia, palavras sem piedade a ferir animais surdos e mudos.
no fim, não haverá um delta na foz, apenas escuridão.
13-1
Hoje, saí demasiado tarde do trabalho (já não me lembro porque lá fiquei tanto tempo). Na companhia de uma primeira cerveja, olho a noite
(o fogo respira as entranhas da cidade, dois cães disputam entre si os últimos restos, dois restos verbalizam ódios no último semáforo livre)
e viajo para o único sítio onde a poesia me acontece, para o abismo absurdo, para onde mora o medo de cimento de um dia descobrir que já não sei quem sou. Peço uma segunda cerveja. Lá fora, a noite, fria,
(cá dentro, o aquecimento e os olhares de mulheres desconhecidas, o chilrear dos copos e a simpatia fingida a fumar por trás do balcão)
prossegue rapidamente sem mim, mas ninguém se importa. Volto a mergulhar no sangue e no meu sangue. Para que me convençam que sou o que digo ser, faço das palavras minhas escravas, chicoteio-as, obrigo-as a dizerem apenas o que quero ouvir. Um dia, sei-o, serão elas a verga de salgueiro que outros usarão para me rasgar a pele, enquanto me perguntam: valeu a pena mentires-te?
(Mas, entretanto, gosto desta mesa de madeira mal encerada e de observar os semáforos pela janela meio embaciada.)
Quando aqui venho, nunca estou sozinho, há sempre um ou outro cadáver existencialista, a lembrar-me que agora os valores são outros e que estou completamente fora de moda. Mas eu não quero estar na moda, quero apenas compreender(-me). É isso que não deves fazer, procurar respostas era para o meu tempo. Mas tu estás morto, eu estou aqui e sufoco(-me).
(Excita-me esta mulher que, de costas para mim, espreita por cima do ombro, enquanto afasta o cabelo de ouro, num gesto demasiado lento para ser verdadeiro.)
17-1
Eu não existo todos os dias.
19-1
Estou farto de ser genial, de ser bom com os números, com a física e a jogar futebol. Estou cansado de saber escrever, de ser alto, moreno e magro e de ser bom com computadores. Sufoca-me ganhar quatro vezes mais que a média nacional, desespera-me ter muitos e bons amigos e destroi-me ser amado.
Um dia, deito tudo fora.
Alugo uma casa numa aldeia distante e, enquanto houver dinheiro, fecho-me no quarto a ver big brothers e filmes pornográficos, a comer porcarias, a fumar, a beber e a masturbar-me até adormecer. Quando o dinheiro acabar, mato alguém que não faça falta e vou viver às vossas custas. Não é muito diferente do que faço agora.
PS: Metade do que escrevi é mesmo verdade.
20-1
nos vidros, com os dedos molhados pelas tuas palavras, desenho lentas respirações na condensação do silêncio.
será pecado desejar escrever um verbo nos teus seios?
22-1
tenho andado ocupado (com a minha vida verdadeira)