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Na manhã seguinte lá estava eu ansioso por repetir tudo. Em especial, ansioso por repetir a ida ao café e com esperança de também a noite se repetir
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Na manhã seguinte lá estava eu ansioso por repetir tudo. Em especial, ansioso por repetir a ida ao café e com esperança de também a noite se repetir
- Para quê perder tempo? Já o fiz durante anos e perder tempo é a pior das perdas. É pior que perder a vida. Eu já perdi um deles e quase a outra – tenho bastante conhecimento de causa. Uns 85% dele.
Depois de administrado o fármaco, a Dalila levou-me ao gabinete onde eu tinha conhecido e sido acompanhado pelo Miguel. Outra pessoa o ocupava.
- Olá, Jorge. Este é o Rodrigo.
- Obrigado, Dalila. Olá, Rodrigo. Sou o Jorge, sou fisioterapeuta e vou acompanhá-lo nos próximos dias. Posso?
Agarrou as pegas da cadeira, desviando cordialmente a Dalila e mostrando que queria ser ele a empurrá-la:
- Muito gosto, Jorge.
Os tratamentos do Jorge eram
Depois dos dois exames, a doutora Mariana recebeu-me, de novo, no, bem decorado, gabinete dela:
- Estive a ver os seus exames e o seu cérebro está em perfeitas condições de prosseguirmos com o ensaio. Quando quer começar?
- Assim que vos for possível.
- Como sabe, o tratamento baseia-se em injeções. Temo-las prontas e podemos começar quando quiser.
- Pode ser já amanhã
- Olá, eu sou o Rodrigo Saramago e tenho 42 anos.
- Excelente. Repita, mas mais devagar quando falar.
Repeti aquilo umas dez vezes até que o Miguel disse:
- Excelente. Agora leia em voz alta esta folha.
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Sabendo o que sei e sabendo o que sabes e o que não sabes e o que não sabemos, ambos saberemos se somos sábios, sabidos ou simplesmente saberemos se somos sabedores.
O tempo perguntou ao tempo qual é o tempo que o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que não tem tempo para dizer ao tempo que o tempo do tempo é o tempo que o tempo tem.
Em baixo da pia tem um pinto que pia, quanto mais a pia pinga mais o pinto pia!
A sábia não sabia que o sábio sabia que o sabiá sabia que o sábio não sabia que o sabiá não sabia que a sábia não sabia que o sabiá sabia assobiar.
“
Algo de céu. Uma unicidade. Sempre que ela falava parecia-me que a voz ficava suspensa no ar e me abraçava num terno envolver. Sorri:
- Olá. É o José Carlos. É meu primo.
- Olá. E olá, José. Não sabia que era teu primo, mas já o tinha visto ontem.
- Olá, Dalila.
- Como é que sabes o meu nome? Não respondas, não respondas. – Perguntou e respondeu num só fôlego.
A minha vida tem sido a prova que os planos a longo prazo podem correr muito mal. Aos vinte eu estudava engenharia e imaginava-me a trabalhar toda a vida na área. Plano furado. Aos vinte eu namorava e fazia daquele namoro um projeto eterno. Plano furado. Com a idade que tenho delineava já ter filhos. Plano furado. Apenas três eventos furaram uma quantidade enorme de planos. A
Depois de uma rápida e superficial leitura da minha cronologia, voltei-me para o que tem sido o meu, quase, vício dos últimos meses:
- Olá, Isabel. Por aí?
- Olá. Sim, que tal o dia? Tranquilo? Foste lá ao laboratório?
- Calma. Tanta pergunta. Bom. Sim e sim.
- Conheceste a tal doutora? Que te disse ela?
- Continuas imparável. Conheci e não me disse nada de especial. Disse que tinha que me fazer uns testes. E deu-me um termo de responsabilidade para eu ler e se concordar: assinar.
- E já leste?
- Não, mas já assinei.
- Assinaste sem ler?
- Sim. Esteja lá o que estiver eu quero fazer o ensaio.
- E se lá disser que depois do ensaio vão-te matar? É melhor leres.
- Achas que vai lá estar uma coisa dessas?
- E se estiver? Não sabes. Não leste, não sabes.
- Isto pode parecer um absurdo, mas a vida está cheia deles e o pior é que alguns vêm mascarados e enganam a razão. Por vezes o instinto fala muito alto e, neste momento, o meu está aos gritos a dizer que eles são de confiança.
– Pareces triste. Queres contar-me a tua história?
Em pouco mais de uma fração de segundo, a melodia contida naquela voz, encheu-me a alma e repetiu-se infinitamente na minha mente. Como flechas embebidas da sensibilidade apenas digna dos anjos, aquelas palavras rasgaram o sofrimento terreno que me atormentava e impregnaram de carinho e compreensão todo o meu ser.
Um a um, como as ondas, os pontos de referência que eu havia guardado foram explodindo nos meus olhos.
Uma velha igreja, que praticamente só a memória mantinha de pé, recordou-me a minha passagem pelos escuteiros e fez-me pensar na importância que isso teve na minha vida.